Efeitos imediatos da produção mecanizada sobre o trabalhador
A revolução do meio de trabalho constitui, como vimos, o ponto de partida da grande indústria, e o meio de trabalho revolucionado assume sua forma mais desenvolvida no sistema articulado de máquinas da fábrica. Antes de vermos como a esse organismo objetivo se incorpora material humano, examinemos algumas repercussões gerais dessa revolução sobre o próprio trabalhador.
a) Apropriação de forças de trabalho subsidiárias pelo capital. Trabalho feminino e infantil
À medida que torna prescindível a força muscular, a maquinaria converte-se no meio de trabalho que se utiliza trabalhadores com pouca força muscular ou desenvolvimento corporal maturo, mas com membros de maior flexibilidade. Por isso, o trabalho feminino e infantil foi a primeira palavra de ordem da aplicação capitalista da maquinaria! Assim, esse poderoso meio de substituição do trabalho e de trabalhadores transformou-se prontamente num meio de aumentar o número de assalariados, submetendo ao comando imediato do capital todos os membros da família dos trabalhadores, sem distinção de sexo nem idade. O trabalho forçado para o capitalista usurpou não somente o lugar da recreação infantil, mas também o do trabalho livre no âmbito doméstico, dentro de limites decentes e para a própria família.
O valor da força de trabalho estava determinado pelo tempo de trabalho necessário à manutenção não só do trabalhador adulto individual, mas do núcleo familiar. Ao lançar no mercado de trabalho todos os membros da família do trabalhador, a maquinaria reparte o valor da força de trabalho do homem entre sua família inteira. Ela desvaloriza, assim, sua força de trabalho. É possível, por exemplo, que a compra de uma família parcelada em quatro forças de trabalho custe mais do que anteriormente a compra da força de trabalho de seu chefe, mas, em compensação, temos agora quatro jornadas de trabalho no lugar de uma, e o preço delas cai na proporção do excedente de mais-trabalho dos quatro trabalhadores em relação ao mais-trabalho de um. Para que uma família possa viver, agora são quatro pessoas que têm de fornecer ao capital não só trabalho, mas mais-trabalho. Desse modo, a maquinaria desde o início amplia, juntamente com o material humano de exploração, ou seja, com o campo de exploração propriamente dito do capital121, também o grau de exploração.
Além disso, a maquinaria revoluciona radicalmente a mediação formal da relação capitalista, o contrato entretrabalhador e capitalista. Com base na troca de mercadorias, o primeiro pressuposto era de que capitalista e trabalhador se confrontassem como pessoas livres, como possuidores independentes de mercadorias, sendo um deles possuidor de dinheiro e de meios de produção e o outro possuidor de força de trabalho. Agora, porém, o capital compra menores de idade, ou pessoas desprovidas de maioridade plena. Antes, o trabalhador vendia sua própria força de trabalho, da qual dispunha como pessoa formalmente livre. Agora, ele vende mulher e filho. Torna-se mercador de escravos. A demanda por trabalho infantil assemelha-se com freqüência, também em sua forma, à demanda por escravos negros, como se costumava ler em anúncios de jornais americanos.
“Chamou minha atenção”, diz, por exemplo, um inspetor de fábrica inglês, “um anúncio na folha local de uma das mais importantes cidades manufatureiras de meu distrito, que aqui reproduzo: precisa-se de 12 a 20 garotos, crescidos o suficiente para que possam se passar por 13 anos. Salário: £4 por semana. Contatar etc.”..
A frase“possam se passar por 13 anos” refere-se a que, conforme o Factory Act, crianças menores de 13 anos só podem trabalhar 6 horas. Um médico oficialmente qualificado (certifying surgeon) tem de certificar a idade. O fabricante exige, por isso, jovens que aparentem já ter 13 anos.
Segundo o depoimento dos inspetores de fábrica, a diminuição, às vezes súbita, do número de crianças menores de 13 anos ocupadas pelos fabricantes devia-se, em grande parte, à atuação dos certifying surgeons, que aumentavam a idade das crianças de acordo com o afã explorador dos capitalistas e a necessidade de barganha dos pais. No malafamado distrito londrino de Bethnal Green, tem lugar, todas as segundas e terças-feiras pela manhã, um mercado público, onde crianças de ambos os sexos, a partir de 9 anos de idade, alugam a si mesmas para as manufaturas de seda londrinas. “As condições habituais são 1 xelim e 8 pence por semana” (soma que pertence aos pais) “e 2 pence para mim mesmo, além de chá”. Os contratos valem apenas por uma semana. As cenas e o linguajar, durante o funcionamento desse mercado são verdadeiramente revoltantes124.
Na Inglaterra ainda ocorre de mulheres “pegarem crianças da workhouse e as alugarem para qualquer comprador por 2 xelins e 6 pence por semana”. Apesar da legislação, pelo menos 2 mil adolescentes continuam a ser vendidos por seus próprios pais como máquinas vivas para a limpeza de chaminés (embora existam máquinas para substituí-los). A revolução que a maquinaria provocou na relação jurídica entre comprador e vendedor de força de trabalho, de modo que a transação inteira perdeu até mesmo a aparência de um contrato entre pessoas livres, conferiu ao Parlamento inglês, posteriormente, a escusa jurídica para a ingerência estatal no sistema fabril. Toda vez que a lei fabril limita a 6 horas o trabalho infantil em ramos da indústria até então intocados, voltam sempre a ecoar as lamúrias dos fabricantes: que parte dos pais retiraria as crianças da indústria agora regulamentada, a fim de vendê-las naquelas em que ainda reina a “liberdade do trabalho”, isto é, onde crianças menores de 13 anos são forçadas a trabalhar como adultos e podem, por conseguinte, ser vendidas a um preço maior. Mas como o capital é um leveller [nivelador] por natureza – isto é, exige, em todas as esferas da produção, como seu direito humano inato, condições iguais para a exploração do trabalho –, a limitação legal do trabalho infantil num ramo da indústria torna-se a causa de sua limitação em outro.
Veja também: Feminismo